Por que sua fábrica depende só de você pra funcionar?

Se a operação comercial para quando o dono sai, há um problema de estratégia. Veja como processos, liderança intermediária e KPIs criam autonomia e crescimento previsível.

Posso fazer uma pergunta direta? Quando a viagem chega ou as férias começam, o que acontece com a operação comercial? Se a resposta é “fica meio parada” ou “os representantes se viram”, há um problema mais sério do que parece. Quando clientes grandes só fecham com a sua presença, representantes ligam direto para negociar e a equipe interna espera a sua volta para decidir, surge um diagnóstico claro: o dono virou gargalo.

Vamos ser sinceros: muitos empresários do setor moveleiro criaram um modelo em que tudo passa pelo dono. Cliente estratégico só assina com o dono na sala. Desconto só sai com aval do dono. Problema complexo só anda com o dono presente. Produção corre quando o dono cobra. Isso dá orgulho por um tempo. Depois, cobra um preço alto. Se nada funciona sem o dono, não existe negócio — existe um emprego caro.

Quando uma empresa depende de uma pessoa, o teto de vendas vira a agenda dessa pessoa. As horas do dono definem o limite operacional. A consequência é previsível: férias canceladas, decisões acumuladas, clientes perdidos na ausência e equipe condicionada a esperar ordens. Cria-se uma cultura de dependência. E cultura come estratégia no café da manhã.

 

Três movimentos práticos para sair do centro

  • Pare de ser o “salvador da pátria”: Toda vez que o dono resolve um problema que outra pessoa poderia resolver, ensina-se a equipe a não decidir. Devolva decisões a quem deve tomá-las. Defina limites de alçada. Diga “confio na sua decisão” e sustente o processo.

  • Monte processos que funcionem sem você: Documente como negociações acontecem, quais etapas existem, quais critérios liberam descontos e quais sinais pedem escalonamento. Apresente o time aos clientes-chave. Transfira relacionamento com intenção: primeiro a quatro mãos, depois com o time à frente.

  • Invista em liderança intermediária: Crie camadas claras de liderança (comercial, operações, financeiro) com metas, alçadas e rituais. Autonomia não brota: nasce de treinamento, confiança e responsabilização. Sem liderança no meio, tudo sobe para o topo; com liderança, decisões fluem no tempo certo.

 

O que dá para fazer agora, sem gastar um centavo

  • Liste 3 situações que hoje só o dono resolve e escolha um responsável para cada uma. Ensine o critério, acompanhe por 2 semanas e solte a alça.

  • Escreva em 1 página como uma negociação estratégica deve ocorrer: etapas, critérios de desconto, quando escalar, quem registra no CRM.

  • Delegue uma responsabilidade pequena por semana. O composto de 12 semanas muda o padrão da casa.

 

Processo, não herói

A operação precisa de sistema, não de super-herói. Em fábricas moveleiras, a disciplina que existe na produção — setup, produtividade por hora, desperdício por lote — precisa ter espelho no comercial: funil por etapa, taxa de conversão, ciclo por praça, motivos de perda, cobertura de carteira, forecast vs. realizado. O que tem indicador melhora; o que depende de memória trava.

Sinais de alerta de dependência do dono

  • Clientes e representantes bypassam a estrutura e falam direto com o dono.

  • Reuniões param na ausência do dono.

  • Decisões só saem com a “caneta” do dono.

  • O dia do dono é um muro de contenção de incêndios.

  • O time pede “aval” para questões que deveriam ser padrão.

Como criar autonomia sem perder controle

  • Defina alçadas: até onde cada papel decide preço, prazo e condição.

  • Padronize a exceção: o que caracteriza exceção, como registrar, quando escalar.

  • Rituais fixos: reunião comercial semanal com pauta clara (pipeline, conversão, contas sem contato, próximos passos); reunião tática de 20 minutos por célula.

  • Indicadores visíveis: painel simples com 6 KPIs que movem a margem (conversão por etapa, ciclo médio, ticket por região, motivos de perda, forecast vs. realizado, contas inativas).

Cultura de dono — sem o dono no centro

Cultura de dono não é centralizar; é responsabilizar. O dono mostra o padrão, cobra processo e protege o método — e não vira o método. Quando o sistema sustenta as decisões, o negócio passa a viver com ou sem a presença do fundador. O descanso deixa de ser risco e volta a ser escolha.

 

Pergunta final para reflexão

Se as férias começassem hoje por 30 dias, a fábrica voltaria a rodar normal no seu retorno? Se a resposta não for “sim”, o plano da próxima semana está dado: alçadas, processos e pessoas certos, no lugar certo, com rituais certos.